terça-feira, 3 de novembro de 2009

Mágoa...

Mágoa....
Está para lá da tristeza,
da solidão,
do desejo de lutar pelo que já se perdeu,
da raiva de não ter o que mais se queria,
da pena de ter deixado fugir um grande amor (...) por ser demasiado grande.

Primeiro grita-se, barafusta-se, soluça-se em catadupas, fazem-se esperas, mandam-se flores, livros sublinhados, convocam-se os amigos para em quórum planearem connosco uma estratégia de recuperação, sente-se aos solavancos e come-se sem mastigar, num torpor raivoso e revoltado.
A vida vai mais depressa do que nós, passa-nos por cima e os dias comem-se uns aos outros. Só queremos que o tempo corra para nos apaziguar a dor e acalmar os papos nos olhos.
Depois ... depois é o pós-guerra, a rendição, a entrega das armas e as sentenças de um tribunal marcial interior, em que os juízes são a vida e o réu, o que fizemos dela.
Limpam-se os destroços, enterram-se os mortos, tratam-se os feridos que são as nossas feridas, feitas de saudades, desencontros, palavras infelizes e atitudes insensatas, medos, frustrações e tudo o que não dissemos.

Há quem se rodeie de amigos,
durma com antigos casos,
se enrole numa manta de xadrez e se torne o mais fiel cliente do clube de vídeo da esquina.

Há quem tome calmantes,
absorva vodka em noitadas vazias como uma esponja inútil,
se mude outra vez para casa da mãe,
ou parta em uma viagem para um local turisticamente muito apetecível. O pior é quando se chega lá, apetece tudo menos lá ficar.

Percebemos então, que não há longe nem distância para a dor, e que nenhum amante, amigo, mãe, irmão, droga ou bebida matam a saudade do que já fomos ou de quem já tivemos nos braços.
A mágoa chega então, quando o cansaço já não nos deixa sentir mais nada. É silenciosa e matreira, instala-se sem darmos por ela, aloja-se no coração e começa a deixar sinais aqui e ali, dentro de nós. A pouco e pouco sentimos que já não somos a mesma pessoa. As cicatrizes podem esbater-se com os anos e ser remendadas com hábeis golpes de plástica, mas ficarão para sempre debaixo dos excertos que fazemos à alma.
O cansaço mata tudo:
a raiva de não termos quem tanto amámos,
a fúria de não sermos donos da nossa vontade,
o orgulho de termos perdido quem mais queríamos.
Só não mata as saudades e a vontade de continuar a sonhar que um dia pode mudar outra vez e libertar-nos de nós mesmos e do sofrimento, tão grande quanto involuntário, tão patético quanto verdadeiro.
Às vezes, quando a mágoa é enorme e sufoca, vegetamos em silêncio para que ela não nos coma.
Fingimos que está tudo bem, rimo-nos de nós próprios perante os outros e até mesmo perante o outro que vive dentro de nós. Tornamo-nos espectadores da nossa dor. Afastamo-nos de nós, do que somos, daquilo em que acreditamos. No fundo estamos a desistir, como quem volta atrás porque tem medo do escuro, vencidos pela desilusão cansadas de esperar em casa que o mundo pare e se lembre de nós.
Mas o mundo nunca pára. Nada pára.
A vida foge, os dias atropelam-se, é preciso continuar a vivê-los, mesmo com dor, mesmo com mágoa. Pelo menos a mágoa magoa, faz-nos sentir vivos. Arde no peito e no orgulho, mas pouco a pouco vai matando a dor. Torna-se a nossa companheira mais próxima, deixando de nos defender da tristeza que se vai consumindo como uma vela esquecida num presépio morto que uma corrente de ar ou um novo sopro de vida um dia apagará.
Mas isso só é possível quando conseguirmos esquecer....

1 comentário:

BP disse...

Esquecer... Não se esquece assim. Não é só o tempo que por milagre cura todas as feridas.
Esquecer depende da nossa capacidade em nos protegermos com a ajuda da nossa resistência.
Esquecer depende da nossa solidão. Não depende dos amigos, nem dos familiares e nem de qualquer especialista. Nestas alturas estamos pura e simplesmente a tentar sobreviver.

É crucial deixar de sentir pena pelo que nos aconteceu e tentar extrair aspectos benéficos desta situação. A solidão, desde que nos convençamos que é um estado temporário, permite-nos organizar certos aspectos da nossa vida sem a interferência de ninguém. É a fase da coragem e do fortalecimento interior.

Quando conseguimos deixarmos de recordar e de ter saudades, o nosso orgulho começa a reconstruir-se. Pouco a pouco começamos a sentir que não somos nem diferentes, nem inferiores às outras pessoas. Somos nós, uma pessoa com identidade reencontrada no meio das lágrimas. Começamos a sentir que há vida dentro de nós, ganhamos cor, ganhamos peso, as olheiras desaparecem e o sorriso volta a surgir no meio das palavras. Até os outros ficam a gostar mais de nós.

A única coisa que nos indica que não estamos completamente bem é o subconsciente. Os sonhos e os pesadelos que nos atacam à noite não nos deixam desligar do passado. Isto não sei como se controla nem como se atenua. Espero que aqui sim, o tempo dê uma ajuda.